terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Os Filhos de Deus e as Filhas dos Homens (Gênesis 6:1-8)

Introdução
As tentativas de se produzir uma raça superior não tiveram início com Adolf Hitler, nem terminaram com ele. Nossa geração parece ter fixação por super humanos. Super Homem, Homem Biônico, Mulher Biônica, Hulk, e muitos outros personagens da televisão versam sobre o mesmo tema. E o domínio dessa super-raça não deve ser entendido apenas no campo da ficção. É quase assustador saber que os geneticistas vêm tentando criar humanos superiores enquanto o aborto pode se tornar um meio de eliminar sistematicamente os indesejáveis. Outro dia, li no jornal um artigo que falava sobre uma organização que disponibiliza o esperma de ganhadores do Prêmio Nobel para determinadas mulheres.
Contudo, é bem mais difícil determinar as últimas consequências dessas tentativas do que encontrar sua origem. Seu início está registrado no sexto capítulo do livro de Gênesis. Devo dizer, no entanto, antes de começar o estudo, que há mais discordância por centímetro quadrado neste texto do que em qualquer outro lugar da Bíblia. Em geral, as maiores dificuldades com esta passagem vêm dos teólogos conservadores. Isso se deve ao fato da narrativa ser classificada como lenda por aqueles que não tomam a Bíblia ao pé da letra ou não a levam a sério. Os eruditos conservadores precisam explicar este episódio de acordo com aquilo que Moisés afirmou ser, um acontecimento histórico. Embora o texto suscite grandes diferenças de interpretação, isso não tem muita importância, pois não irá afetar o fundamento da salvação eterna de ninguém. Em geral, as pessoas de quem mais discordo são justamente meus irmãos em Cristo.

Quem, afinal, são os “Filhos de Deus”?


A interpretação dos versículos 1 a 8 depende da definição de três termos-chave: “os filhos de Deus” (2 e 4), “as filhas dos homens” (2 e 4), e os “nefilins” (4). Existem três interpretações principais destes termos que tentarei descrever, começando por aquela que, a meu ver, é a menos provável, e terminando com a que me parece mais satisfatória.

Posição 1: A União dos Ímpios Descendentes de Caim com os Piedosos Descendentes de Sete

Segundo quem defende este ponto de vista, “os filhos de Deus” são os homens piedosos da linhagem de Sete. As “filhas dos homens”, as filhas dos ímpios cainitas. E os “nefilins”, os homens ímpios e violentos resultantes dessa união pecaminosa.
O principal fundamento para essa interpretação é o contexto dos capítulos 4 e 5. O capítulo quatro descreve a ímpia geração de Caim, enquanto no capítulo cinco vemos a piedosa linhagem de Sete. Em Israel, a separação era uma parte vital da responsabilidade religiosa daqueles que verdadeiramente adoravam a Deus. O acontecimento do capítulo seis foi uma transgressão dessa separação que ameaçou a descendência piedosa da qual devia nascer o Messias. Essa transgressão foi a causa do dilúvio que viria a seguir. O mundo ímpio foi destruído e o justo Noé e sua família, por meio de quem seria cumprida a promessa de Gênesis 3:15, foram preservados.
Embora esta interpretação tenha a característica louvável de explicar a passagem sem criar problemas doutrinários ou teológicos, o que ela oferece em termos de ortodoxia é feito às expensas de uma prática exegética aceitável.
Em primeiro lugar, as definições dadas por essa interpretação não emergem do texto ou mesmo se adaptam a ele. Em lugar algum os descendentes de Sete são chamados de “os filhos de Deus”.
O contraste entre a linhagem piedosa de Sete e a linhagem ímpia de Caim talvez seja enfatizado demais. Não tenho absoluta certeza de que a linhagem de Sete, como um todo, tenha sido piedosa. Enquanto todos os descendentes da linhagem de Caim parecem ter sido ímpios, só um punhado dos descendentes de Sete são chamados de piedosos. O ponto que Moisés deseja ressaltar no capítulo cinco é que Deus preservou um remanescente justo pelo qual Suas promessas a Adão e Eva seriam cumpridas. Tem-se a distinta impressão de que bem poucas pessoas temiam a Deus naqueles dias (cf. 6:5-7, 12). Aparentemente, só Noé e sua família podiam ser chamados de justos na época do dilúvio. Teria Deus deixado de salvar algum justo?
Além disso, “as filhas dos homens” dificilmente poderiam se limitar somente às filhas dos cainitas. No versículo um Moisés escreveu: “como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (Gênesis 6:1).
É difícil concluir que os “homens” aqui não sejam os homens em geral ou a raça humana. Segue-se que a referência às suas “filhas” seria igualmente geral. Deduzir que as “filhas dos homens” no versículo dois seja algo diferente, um grupo mais restrito, é ignorar o contexto da passagem.
Por estas e outras razões1, devo concluir que esta posição é exegeticamente inaceitável. Embora cumpra os requisitos da ortodoxia, ela não se submete às leis da interpretação.


Posição 2: A Interpretação dos Déspotas

Reconhecendo as deficiências da primeira posição, alguns eruditos procuraram definir a expressão “os filhos de Deus” comparando-a com as línguas do antigo Oriente Próximo. É interessante saber que alguns governantes eram identificados como filho de um deus em particular. No Egito, por exemplo, o rei era chamado de filho de Rá2.
No Antigo Testamento, a palavra hebraica para Deus, Elohim, é usada para homens em posição de autoridade:
Então, o seu senhor o levará aos juízes que agirão em nome de Deus. (Êxodo 21:6, seguido do comentário à margem da NASV)
Deus assiste em Sua própria congregação; Ele julga em meio aos governantes (literalmente, os deuses, Salmo 82:1, cf. também 82:6)
Esta interpretação, como a dos anjos caídos, tem suas raízes na antiguidade3. De acordo com esta proposta, os “filhos de Deus” são nobres, aristocratas e reis.
Esses déspotas ambiciosos cobiçavam poder e riqueza e queriam se tornar “homens de renome”, ou seja, célebres (cf. 11:4)! Seu pecado não era o “casamento misto entre dois grupos, ou entre dois mundos (anjos e homens), ou entre duas comunidades religiosas (descendentes de Sete e de Caim), ou ainda entre duas classes sociais (plebe e realeza) — seu pecado era a poligamia”. Era o mesmo tipo de pecado de Lameque, o descendente de Caim, o pecado da poligamia, mais especificamente visto na forma de um harém, instituição característica da corte de um antigo déspota oriental. Nessa transgressão, os “filhos de Deus”, com frequência, violavam o dever sagrado de seu ofício como guardiães das ordenanças gerais de Deus para a conduta humana4.
No contexto de Gênesis 4 e 5, encontramos algumas evidências que poderiam ser interpretadas como suporte ao ponto de vista sobre os déspotas. Caim edificou uma cidade e em seguida deu a ela o nome de seu filho Enoque (versículo 4:17). As dinastias seriam mais facilmente estabelecidas num ambiente urbano. Sabemos, ainda, que Lameque teve duas mulheres (versículo 4:19). Embora isso esteja bem longe de ser um harém, poderia ser visto como um passo nessa direção. Esta posição também define “as filhas dos homens” como mulheres e não só como as filhas da linhagem de Caim.
Apesar desses fatores, esta interpretação provavelmente nunca teria sido concebida não fossem os “problemas” criados pela posição sobre os anjos caídos. Embora os reis pagãos fossem considerados como filhos de alguma divindade, nenhum rei israelita foi assim designado. É bem verdade que os nobres e algumas autoridades foram, ocasionalmente, chamados de “deuses”, mas não de “filhos de Deus”. Essa interpretação prefere ignorar a definição precisa fornecida pelas próprias Escrituras.
Além disso, toda a idéia de homens famintos de poder, procurando estabelecer uma dinastia com a formação de um harém, parece forçada nessa passagem. Quem teria tirado essa idéia do próprio texto, a menos que impusesse isso a ele? E mais, a definição dos nefilins como sendo meros homens violentos e tirânicos também parece inadequada. Por que tais homens seriam mencionados com tanta deferência se fossem como quaisquer outros daquela época? (cf. 6:11, 12). Embora a interpretação dos déspotas seja menos violenta ao texto do que a dos descendentes de Sete e Caim, ainda assim ela me parece inapropriada.

Posição 3: A Interpretação dos Anjos Caídos

De acordo com esta posição, os “filhos de Deus” dos versículos 2 e 4 são anjos caídos, os quais assumiram uma forma semelhante à dos homens. Esses anjos se casaram com mulheres da raça humana (descendentes de Caim ou de Sete) e a descendência resultante foram os nefilins. Os nefilins eram gigantes de superioridade física, os quais, por isso, se estabeleceram como homens de renome pelas suas proezas físicas e poderio militar. Essa raça de criaturas meio humanas foi varrida pelo dilúvio, junto com a humanidade em geral, pecadores confessos (versículos 6:11, 12).
Minha pressuposição básica na abordagem do nosso texto é que devemos deixar a Bíblia definir seus próprios termos. Se as definições bíblicas não forem encontradas, então devemos examinar a linguagem e a cultura dos povos contemporâneos. No entanto, a Bíblia define para nós o termo “os filhos de Deus”.
Um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. (Jó 1:6)
Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o SENHOR. (Jó 2:1)
Quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus? (Jó 38:7, cf. Salmo 89:6, Daniel 3:25)
Os eruditos que rejeitam esta posição prontamente reconhecem o fato de que o termo exato é claramente definido na Escritura5. A razão pela qual rejeitam a interpretação dos anjos caídos é por acharem que esse ponto de vista é uma afronta à razão e à Escritura.
A principal passagem problemática citada é a do evangelho de Mateus, onde nosso Senhor disse: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mateus 22:29-30).
Eles dizem que nosso Senhor falou que anjos não têm sexo, mas isso é mesmo verdade? Jesus estava comparando homens no céu com anjos no céu. Não está escrito que, no céu, homens ou anjos sejam assexuados, e sim que no céu não haverá casamento. Não há anjos femininos com quem os anjos possam gerar descendência. Nunca foi dito aos anjos “crescei e multiplicai-vos”, como foi dito ao homem.
Quando encontramos anjos descritos no livro de Gênesis, fica claro que eles podem assumir a forma humana, e que seu sexo é masculino. O escritor aos Hebreus menciona o fato de eles poderem ser hospedados sem o conhecimento das pessoas (Hebreus 13:2). Com certeza, eles devem ser bem convincentes como homens. Os homossexuais de Sodoma eram muito bons para julgar a sexualidade. Eles foram atraídos pela “masculinidade” dos anjos que foram lá para destruir a cidade (cf. Gênesis 19:1 e ss, especialmente o versículo 5).
No Novo Testamento, duas passagens parecem se referir ao incidente de Gênesis 6, e dão base à interpretação dos anjos:
Ora, se Deus não poupou a anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno os entregou a abismos de trevas, reservando-os para o juízo. (2 Pedro 2:4)
E a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do Grande Dia. (Judas 6)
Estes versículos podem indicar que alguns anjos que caíram com Satanás não ficaram contentes com seu “próprio domicílio” e, por isso, começaram a viver entre os homens (e mulheres) como homens. O julgamento de Deus foi colocá-los em algemas6 para que não pudessem mais servir aos propósitos de Satanás na terra como fazem os anjos caídos que ainda estão soltos executando suas ordens.
Os nefilins são claramente indicados como resultado da união entre os anjos caídos e as mulheres. Embora os estudos dessa palavra apresentem diversas sugestões para o significado do termo, sua definição bíblica vem de apenas um outro exemplo na Escritura, Números 13:33:
Também vimos ali gigantes (nefilins, os filhos de Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos.
Portanto, entendo que os nefilins sejam uma raça de super-humanos, produto dessa invasão angélica à terra7.
Esta interpretação não só está em conformidade com o uso bíblico da expressão “filhos de Deus”, como também é a que mais se encaixa no contexto da passagem. Os efeitos da queda são vistos na descendência ímpia de Caim (capítulo 4). Embora ele e seus descendentes estivessem “sob o domínio de Satanás”, Satanás conhecia muito bem as palavras de Deus de Gênesis 3:15, que da descendência da mulher Deus traria o Messias que iria destruí-lo. Não sabemos se toda a linhagem de Sete foi temente a Deus. Na verdade, podemos supor exatamente o contrário. Só Noé e sua família direta parecem justos na época do dilúvio.
Gênesis seis descreve uma tentativa desesperada de Satanás para atacar o remanescente piedoso mencionado no capítulo cinco. Enquanto um descendente justo é preservado, a promessa de Deus paira sobre a cabeça de Satanás, como uma ameaça da sua destruição iminente.
As filhas dos homens não foram violentadas ou seduzidas. Elas simplesmente escolheram o marido da mesma forma que os anjos as selecionaram — pela atração física. Ora, se naquela época, você fosse uma mulher desimpedida, a quem escolheria? A um homem atraente e musculoso, famoso por sua força e por seus feitos, ou a alguém que comparado a ele tivesse a aparência de um fracote de meia tigela?
Aquelas mulheres tinham esperança de ser a mãe do Salvador. Quem seria o pai mais provável dessa criança? Não seria um “valente de renome”, que também podia se gabar de imortalidade? Alguns descendentes piedosos de Sete viveram quase 1000 anos, mas os nefilins não morreriam se fossem anjos. E assim começou uma nova raça.

Será que Deus Muda de Ideia?

Enquanto os versículos 1 a 4 ressaltam a invasão dos anjos no início de uma nova super-raça, os versículos 5 a 7 servem para informar que a humanidade em geral merecia a intervenção destrutiva de Deus na história — o dilúvio.  No entanto, é aqui que encontramos um problema muito sério, pois quase parece que Deus muda de ideia, como se a criação do homem fosse um erro colossal da Sua parte. Vamos tratar, então, da questão: “Será que Deus muda de ideia?” Vários fatores precisam ser considerados.

Primeiro, Deus é imutável, Ele não muda em Sua pessoa, em Sua perfeição, em Seus propósitos e em Suas promessas.

Deus não é homem para que minta, e nem filho de homem para que se arrependa. Porventura tendo ele prometido não o fará, ou tendo ele falado, não o cumprirá? (Números 23:19)
Também a glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa. (1 Samuel. 15:29, cf. também Salmos 33:11, 102:26-28, Hebreus 1:11-12, Malaquias 3:6, Romanos 11:29, Hebreus 13:8 e Tiago 1:17).

Segundo, há passagens nas quais “parece” que Deus muda de ideia.

Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto este povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma grande nação... Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia de fazer ao povo. (Êxodo 32:9-10, 14)
Viu Deus o que fizerem, como se converteram do seu mal caminho e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez. (Jonas 3:10)
Então o Senhor se arrependeu disso. Não acontecerá, disse o Senhor... E o Senhor se arrependeu disso. Também não acontecerá, disse o Senhor Deus. (Amós 7:3, 6)

Terceiro, nos casos onde Deus “parece” mudar de ideia, uma ou mais das seguintes considerações pode ser aplicada:

a) A expressão “Deus se arrependeu” é um antropomorfismo, ou seja, uma descrição de Deus que assemelha Suas ações às ações do homem. De outra forma, como o homem poderia entender o pensamento de Deus? O “mudar de ideia” de Deus pode ser apenas a maneira de ver da perspectiva do homem. Em ambos os textos, de Gênesis 22 (cf. versículos 2, 11-12) e de Êxodo 32, o que Deus propôs foi uma prova. Nos dois casos, Seu propósito eterno não mudou.
b) Nos casos em que tanto julgamento quanto bênção são prometidos, pode haver uma condição implícita ou explícita. A mensagem pregada por Jonas aos ninivitas é um deles:
Começou Jonas a percorrer a cidade de caminho dum dia, e pregava, e dizia: Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida. Os ninivitas creram em Deus e proclamaram um jejum, e vestiram-se de pano de saco, desde o maior até o menor. Chegou esta notícia ao rei de Nínive: ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais. cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre a cinza. E fez-se proclamar e divulgar em Nínive: Por mandato do rei e seus grandes, nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem, os levem ao pasto, nem bebam água; mas, sejam cobertos de pano de saco, tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? (Jonas 3:4-9)
O que era desejado pelos ninivitas, para Jonas era um fato. Eles clamaram por misericórdia e perdão, no caso de Deus poder ouvir e perdoar. Quando eles se arrependeram e Deus demonstrou compaixão, Jonas ficou louco de raiva:
Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado. E orou ao Senhor e disse: Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que se arrepende do mal. (Jonas 4:1-2)
Jonas sabia que Deus era amoroso e clemente. A mensagem pregada por ele indicava uma exceção. Se os ninivitas se arrependessem, Deus os perdoaria. Foi sobre isso que Jeremias escreveu, dizendo:
No momento em que eu falar acerca de uma nação de ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe. E, no momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ele fizer o que é mal perante mim e não der ouvidos à minha voz, então, me arrependerei do bem que houvera dito lhe faria. (Jeremias 18:7-10)
c) Embora o decreto de Deus não possa ser alterado, precisamos admitir que Ele é livre para agir como quiser. E, embora Seu roteiro possa mudar, Seus propósitos não mudam, “porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11:29).
Deus prometeu levar Seu povo à terra de Canaã. Devido à sua incredulidade, a primeira geração não tomou posse da terra, mas a segunda sim. Quando Jesus veio, Ele Se ofereceu a Israel como o Messias. A rejeição de Israel tornou possível oferecer o evangelho aos gentios. Apesar disso, quando os propósitos de Deus para os gentios forem cumpridos, Deus derramará Sua graça e salvação novamente sobre os judeus. O roteiro de Deus pode mudar, mas não Seus propósitos (cf. Romanos 9-11).
d) Ainda que a vontade de Deus (Seu decreto) não possa mudar e não mude, Ele é livre para mudar Suas emoções. Gênesis 6:6-7 descreve a reação de Deus ao pecado humano. Pesar é a resposta de amor ao pecado. Deus não é estóico; Ele é uma pessoa que Se regozija na salvação do homem e em sua obediência, e que Se aflige diante da incredulidade e da desobediência. Embora o propósito de Deus para a raça humana não mude, Sua atitude muda. Com certeza, um Deus Santo deve Se sentir diferente com relação ao pecado e com relação à obediência. Esse é o ponto dos versículos seis e sete. Deus é afligido pelo pecado do homem e suas consequências. No entanto, Ele cumprirá Seus propósitos independentemente disso. Embora tal circunstância tenha sido decretada desde a eternidade pretérita, Deus jamais poderia se regojizar nela, só lamentar a maldade e a obstinação do homem.
Uma ilustração semelhante é a reação emocional de nosso Senhor no Jardim do Getsêmani (cf. Mateus 26:36 e ss). Desde a eternidade pretérita Ele tinha Se proposto a ir à cruz para comprar a salvação do homem. No entanto, quando o momento da Sua agonia se aproximou, Ele teve medo. Seu propósito não mudou, mas Suas emoções, sim.

O Significado desta Passagem para o Israel Antigo

Para os antigos israelitas esta passagem ensinou diversas lições valiosas. Primeiro, ela lhes deu uma explicação adequada para o dilúvio. Podemos entender que aquela super-raça tinha de ser eliminada. O dilúvio não foi apenas uma forma de Deus julgar os homens pecaminosos, mas também de cumprir Sua promessa de trazer salvação pelo descendente da mulher. Se o relacionamento entre anjos e homens não tivesse sido interrompido, o remanescente piedoso teria deixado de existir (humanamente falando). Segundo, a passagem ilustrou o que Deus tinha dito à serpente, Adão e Eva: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente” (Gênesis 3:15a).
Israel não ousou esquecer que havia uma intensa batalha sendo travada, não só entre os descendentes de Caim e Sete, mas entre Satanás e o descendente da mulher. Embora nós estejamos acostumados a tal ênfase no Novo Testamento, os antigos tinham poucas referências diretas a Satanás ou a seus assistentes demoníacos (cf. Gênesis 3, Deuteronômio 32:17, 1 Crônicas 21:1, Jó 1 e 2, Salmo 106:37, Daniel 10:13, Zacarias 3:1-2). Esta passagem seria uma vívida lembrança da exatidão da Palavra de Deus.
Terceiro, a passagem ressaltou a importância de Israel manter sua pureza racial e espiritual. O remanescente crente em Deus tinha de ser preservado. Quando os homens deixaram de perceber a importância disso, Deus teve de julgá-los com rigor. Quando a nação entrasse na terra de Canaã, poucas lições seriam mais importantes do que a necessidade de separação.

O Significado de Gênesis 6 para os Cristãos Atuais

Muito embora o Novo Testamento tenha muito mais a dizer sobre as atividades de Satanás e seus demônios, poucos de nós parecem levar a sério a nossa luta espiritual. Nós realmente acreditamos que a igreja consegue operar somente com o esforço e a sabedoria humana, ou com uma ajudazinha de Deus. Muitas vezes tentamos viver a vida espiritual no poder da carne. Dizemos às pessoas para fazer uma nova dedicação da sua vida e redobrar seus esforços, mas deixamos de lhes dizer que a nossa única força é aquela que Deus nos dá.
Hoje, a batalha travada entre os filhos de Satanás e os filhos de Deus (no sentido do Novo Testamento — João 1:12, Romanos 8:14, 19) é muito mais intensa do que foi nos tempos antigos. O destino de Satanás está selado e seus dias estão contados (cf. Mateus 8:29). Vamos, pois, nos revestir da armadura espiritual de Deus para a luta espiritual de que somos parte (Efésios 6:10-20).
Em segundo lugar, precisamos entender que Satanás ainda hoje nos ataca com os mesmos instrumentos. Não conheço nenhum caso de seres angélicos caídos invadindo a terra em forma humana para promover a causa de Satanás em nossos dias. No entanto, Satanás continua trabalhando sutilmente por intermédio dos homens.
Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de se admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça; e o fim deles será conforme as suas obras. (2 Coríntios 11:13-15)
Assim como Satanás procurou corromper os homens manifestando-se (ou melhor, seus anjos) na forma de seres humanos superiores, hoje ele usa os “anjos de luz”. Nossa tendência é supor que, na maioria das vezes, ele use os réprobos. Às vezes, até parece que esperamos encontrá-lo num patético endemoninhado ou num pobre-coitado desesperado. É fácil atribuir a Satanás esse tipo de coisa. No entanto, seu melhor trabalho e, em minha opinião, o mais comum, é quando usa pregadores aparentemente piedosos, devotos e religiosos que estão atrás do púlpito, ou se assentam no Conselho da igreja, falando de salvação em termos de comunidade e não de almas, e pelas obras ao invés da fé. Satanás continua promovendo sua causa usando homens que não são o que parecem ser.
Por fim, observe que o melhor trabalho de Satanás está justamente nas áreas onde homens e mulheres depositam a esperança da sua salvação. Quando os homens-anjos pediram as filhas dos homens em casamento, eles deviam parecer pais dos mais promissores. Se tais criaturas fossem imortais, sua descendência também não seria? Seria esta a forma de Deus reverter os efeitos da queda e da maldição? Assim deve ter parecido àquelas mulheres.
E é exatamente isso o que Satanás faz ainda hoje. Ah, mas não pense que ele esteja se autopromovendo através do ateísmo ou de outros “ismos”, pois o lugar onde ele faz mais sucesso é justamente na religião. Ele usa sua expressão mais piedosa e emprega terminologia religiosa. Ele não procura acabar com a religião, mas retira dela seu elemento crucial, a fé no sangue derramado de Jesus Cristo como substituto para o pecado dos homens. Ele está sempre pronto a se juntar a qualquer causa religiosa, desde que esse ingrediente seja omitido ou distorcido, ou fique perdido num labirinto de legalismo e libertinagem. Cuidado, meu amigo, Satanás está no mundo da religião. Que melhor maneira de desviar a alma dos santos e de cegar a mente dos homens (2 Coríntios 4:4)?
Onde está sua esperança de imortalidade? Está na sua descendência? Isso não funcionou para Caim. Está no seu trabalho? Você quer construir um império ou erigir um monumento dedicado ao seu nome? Você não será o último. Tudo isso sucumbiu no dilúvio do julgamento de Deus. Só a fé no Deus da Bíblia e, mais especificamente, no Filho enviado por Ele, lhe dará imortalidade e o libertará da maldição. O único jeito para isso acontecer é você se tornar um filho de Deus por intermédio do Filho de Deus.
Jesus lhe disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim. (João 4:6)
Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza

1 O problema mais sério desse ponto de vista se encontra  no versículo 4. Sob todos os aspectos, os gigantes (nephilim) e os homens poderosos (gibborim) são os descendentes dos casamentos entre os “filhos de Deus” e as “filhas dos homens”. Como diz Kline:
“De forma alguma fica clara a razão pela qual a descendência de casamentos mistos deva ser nephilim-gibborim, no entanto, estes devem ser entendidos dentro do alcance da interpretação provável... Mas sua (a do autor bíblico) referência ao ato conjugal e à gestação encontra justificativa apenas se ele estiver descrevendo a origem dos nephilim-gibborim. A menos que a dificuldade resultante dessa conclusão seja superada, a interpretação do casamento misto nesta passagem deve ser definitivamente descartada”.
Para resumir o problema: “Por que é declarado o tipo de descendência mencionada no versículo quatro se aqueles foram apenas casamentos mistos?” Manfred E. Kober, The Sons of God of Genesis 6: Demons, Degenerates, or Despots? p. 15. Kober cita aqui Meredith G. Kline, “Divine Kingship and Genesis 6:1-4”, Westminster Theological Journal, XXIV, Nov. 1961- May 1962, p. 190.
2 “No Egito o rei era chamado de o filho de Ra (o deus-sol). O rei Sumero-Akkadian era considerado descendente da deusa e um dos deuses, e essa identificação com a divindade remonta aos primórdios, de acordo com Engell. Em uma inscrição há uma referência a ele como “o rei, o filho de seu deus”. O rei Hitita era chamado “filho do deus-tempo”, e o título de sua mãe era Tawannannas (mãe do deus). Na região semítica noroeste o rei era diretamente chamado de filho de deus e o deus era chamado de pai do rei. O texto Ras Shamra (Ugarítico)Krt se refere a deus como o pai do rei e o rei Krt como Krt bn il, o filho de el ou o filho de deus. Assim, com base no uso semítico, o termo be ne ha elohim, os “filhos de deus” ou “filhos dos deuses”, muito provavelmente se refere aos governantes da dinastia de Gênesis 6.” An Exegetical Study of Genesis 6:1-4, Journal of the Evangelical Theological Society, XIII, inverno 1970, pp. 47-48, como citado por Kober, p. 19.
3 Em excelente artigo apresentando sobre esta posição, Kline escreve que, nos tempos antigos, surgiu entre os judeus a opinião de que os “filhos de Deus” de Gênesis 6 seriam aristocratas, príncipes, e nobres, em contraste com as socialmente inferiores “filhas dos homens”. Dessa interpretação, por exemplo, chegou-se à expressão no Targum Aramaico (o Targum de Onkelos traduz o termo como “filhos dos nobres”) e na tradução grega de Symmachus (que interpreta “os filhos de reis ou lordes”) e é seguida por muitas autoridades judaicas até o presente”. Kober, pp; 16-17, referindo-se a Kline, p. 194.
4 Kober, p. 16, citando Birney, p. 49 e Kline, p. 196.
5 Por exemplo, W. H. Griffith Thomas, que sustenta a posição dos descendentes de Caim e de Sete, diz:
“O versículo 2 fala da união de duas linhagem pelo casamento misto. Alguns escritores consideram a frase “filhos de Deus” como se referindo aos anjos, o que é apoiado por outras passagens —  cf. Jó 1:6; Salmo 28:1, Daniel. 3:25 — e, de fato, em qualquer lugar da Escritura, a frase invariavelmente quer dizer anjos”. Genesis: A Devotional Commentary (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1946), p. 65.
6 Será que não é este o cativeiro temido pelos demônios em Marcos 5:10 e Lucas 8:31?
7 Será que o fato de os nefilins serem mencionados depois do dilúvio significa que essa prática continuou mesmo depois dele? Alguns pensam que sim, enfatizando a frase “e também depois” (Gênesis 6:4). Se foi assim, precisamos dizer que isso não ameaçou a promessa de Deus naquela época. Só seria um reforço à  importância de não se casar com alguém dos cananeus, entre os quais se encontravam os nefilins.
Pessoalmente, não acho que a super-raça tenha aparecido após o dilúvio. A expressão nefilim, da forma como a entendo, não é sinônima desta, uma super-raça, mas a descrição dela. Refere-se simplesmente à grande estrutura física deles, exatamente como as outras expressões (“homens poderosos”, “homens de renome”) se referem à sua reputação e ao seu poderio militar. Não acho que precisamos encontrar criaturas super-humanas em Números 13:33, só gigantes. A palavra nefilim, portanto, é definida por Moisés em Números como se referindo a uma grande estatura física. Nenhum nome técnico é dado à super-raça, somente descrições que podem ser usadas em qualquer outro lugar para outras criaturas que não sejam anjos.


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